Protestos

     A imagem é formada por camadas de fotografias e desenhos produzidos durante minha trajetória com o rio Piracicaba. Para essa montagem utilizei uma fotografia realizada por mim em julho de 2016 e alguns traços desenhados por minha companheira Laura. A inscrição “Estamos de luto pela morte do Piracicaba – Colaboração Bebidas Orlando” foi copiada de um encarte encontrado por mim no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. Laura copiou a mão o encarte e posteriormente, com um aplicativo de edição de imagens, uma fotografia do rio Piracicaba foi sobreposta à imagem. Após esse processo, a montagem foi novamente sobreposta a desenhos de peixes. Outras sobreposições foram testadas antes de se chegar a esse resultado.

     No canto esquerdo da imagem, a inscrição “Estamos de luto pela morte do rio Piracicaba” aparece sobreposta por desenhos de peixes, no fundo da inscrição a imagem fotográfica aparece com os tons de marrom do barranco do rio Piracicaba.  As águas do rio não aparecem, mas do barranco é possível ver os peixes.

     Em 1o de agosto de 1979, às 10 horas da manhã, por ocasião dos 212 anos de aniversário da cidade de Piracicaba-SP, cerca de 1.500 pessoas participaram da fixação de uma placa de mármore na Praça do Protesto Ecológico, localizada em uma rotatória construída próxima à Ponte do Mirante do rio Piracicaba. O evento era de nomeação da praça e anunciava a “morte do rio Piracicaba”. Diversos documentos assinados por autoridades políticas e por jornais da cidade foram colocados dentro de um cilindro e enterrados ao lado da placa. Segundo os jornais da época, os organizadores do protesto, tinham como intuito mostrar para as gerações futuras as preocupações que a cidade tinha com o futuro do rio Piracicaba. O protesto tinha como motivação o alto grau de poluição em que o rio Piracicaba se encontrava, consequência da redução do volume das águas em razão do início da operação do Sistema Cantareira, do desenvolvimento urbano e industrial das cidades que margeiam o rio, da expansão e do lançamento no rio do restilo da cana-de-açúcar.

     Cabe lembrar que documentos que demonstram certa preocupação com o futuro do rio datam de 1913. Naquele ano tinha nascido um projeto, abandonado posteriormente, de construção de um “enorme forno crematório para queimar o lixo da cidade, que não seria mais lançado no rio” (GUIDOTTI, 1992, p. 61). Guidotti encontrou, nos anais da Câmara de Vereadores de 1926, um registro do médico sanitarista e vereador de Piracicaba, Godofredo Bulhões Ferreira de Carvalho, mencionando preocupação com a poluição do rio Piracicaba. No entanto, o autor aponta que  relatos, matérias de jornais e documentos da câmara de vereadores de Piracicaba sobre a poluição do rio podem ser observados desde os anos 1950. Na época, foi colocada em funcionamento a barragem de Salto Grande, que represou o rio Atibaia, afluente do rio Piracicaba, nas proximidades de Americana. Conforme aponta Guidotti (1992), 

o volume do rio Piracicaba parece ter diminuído bastante. Também constantes desvios de suas águas, para servir à população de diversas cidades ribeirinhas do Atibaia e Jaguari. Também muitas indústrias se instalaram ao longo das margens dos dois formadores do Piracicaba e do próprio Piracicaba, contribuindo para a diminuição do volume de água do rio Piracicaba (GUIDOTTI, 1992, p. 23). 

Apesar disso, o autor descreve que até o final da década de 1950 o rio Piracicaba tinha abundância de peixes e a água era tão limpa que era possível beber dela diretamente do rio. Mas em 13 de maio de 1959, o Jornal de Piracicaba noticiou: 

Milhares de peixes mortos – Durante 48 horas seguidas, milhares de peixes mortos coalharam o rio Piracicaba. Seria necessário mais cuidado por parte das indústrias ao fazerem descargas de detritos poluidores no rio Piracicaba. Com isso sofrem toda a população ribeirinha e a fauna do rio Piracicaba, outrora o mais piscoso dos rios do Estado de São Paulo (Jornal de Piracicaba apud GUIDOTTI, 1992, p. 62). 

     Em 1o de agosto de 1976, o jornal O Diário noticiou uma matéria que dizia: 

Este rio [Piracicaba] está morrendo – O rio, que foi motivo de orgulho para várias gerações, acabou sendo transformado em preocupação constante. Águas escuras e malcheirosas prejudicam hotéis e restaurantes localizados às suas margens. O esgoto de diversas cidades, entre as quais se inclui Piracicaba, é lançado rio acima. Cargas poluitivas maciças tornam difícil o tratamento de suas águas. […] Enquanto a poluição industrial elimina cardumes inteiros (no ano passado, somente num mês, foi estimada em mais de 30 toneladas de peixes), o pequeno pescador em companhia de renintes turistas continuam a ter suas varas apreendidas pela fiscalização, que cumpre os ditames da legislação de proteção à pesca e à caça. […] O rio Piracicaba vem sofrendo processo progressivo de degradação de suas águas, com grande aceleração a partir da década de 1960, atingindo atualmente um estágio bastante elevado de poluição apresentando-se no período de estiagem com suas águas fortemente enegrecidas (apud GUIDOTTI, 1992, p. 23). 

     Em 25 de dezembro de 1979, o Diário Oficial do município de Piracicaba trouxe uma matéria em que dizia: 

Repetiu-se o massacre no rio Piracicaba – Incalculável volume de peixes mortos roda no rio Piracicaba, segunda e terça-feira, um dos mais altos índices de poluição atingiu o Piracicaba, dizimando sua fauna aquática já em fase de extinção. […] O fato foi provocado pelo rompimento de um tanque de resíduos industriais (lixiria negra) da indústria de Papel e Celulose Ripasa, e o despejo no rio que abastece de água a população de Piracicaba foi de tal monta que obrigou o Semae a suspender o tratamento químico na manhã de segunda-feira. […] A grande vazão que ocorre atualmente no rio Piracicaba foi um dos fatores que não permitiu que a cidade entrasse em colapso no sector de abastecimento de água. A vazão atual de 200 metros cúbicos por segundo fez com que a grande mancha passasse rapidamente, sendo que, por pouco tempo, o sistema de captação de águas teve seu trabalho suspenso (Diário Oficial apud GUIDOTTI, 1992, p. 62). 

     Miguel Hernández (2019), descreve em seu artigo “Movimiento de redención ecológica de la cuenca del río Piracicaba: una experiencia de acción colectiva” como os movimentos sociais que protestaram contra o processo de degradação do rio Piracicaba, intensificado principalmente a partir da década de 1970, forçou a criação da nova legislação da gestão da água (inicialmente no estado de São Paulo e posteriormente em todo o Brasil). 

[…] a presión política del movimiento obligó al gobernador a promulgar el Decreto 28.489, el 9 de junio de 1988, en el que se declaró a la cuenca del río Piracicaba como modelo de gestión. A partir de esta iniciativa se destinaron recursos monetarios y se elaboraron programas de las secretarias para ser implementados en la cuenca del Piracicaba (p. 917).

 

REFERÊNCIAS