Secas

     A imagem é formada por fotografias feitas ou encontradas por mim e desenhos produzidos por minha companheira Laura durante minha trajetória com o rio Piracicaba. Os desenhos foram feitos com caneta nanquim sobre uma folha de papel branco em 2016. Para essa montagem utilizei um desenho e fragmentos de fotografias feitas por mim em 2014, 2016 e 2018 e uma fotografia encontrada por mim no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba . As fotografias foram impressas, recortadas e coladas em uma folha de papel branco. Laura compôs a imagem com desenhos. Posteriormente, essa imagem foi escaneada e sobreposta, com um aplicativo de editor de imagem, à fotografia encontrada por mim no arquivo. Outras sobreposições foram testadas antes de se chegar a esse resultado.

     Na imagem, vários pescadores tentam capturar os peixes do rio Piracicaba. A fotografia é de uma mulher na margem do rio Piracicaba carregando um jarro de barro no ombro. A fotografia de uma coruja e de um peixe desenhados na parede também compõem a imagem. 

     Em 2014, o nível das águas dos reservatórios do Sistema Cantareira chegou a níveis críticos, o que fez com que novas soluções “urgentes” fossem adotadas para garantir o abastecimento de água da cidade de São Paulo. Nessa ocasião, o então governador Geraldo Alckmin (governador do estado de São Paulo pelo PSDB de 2001 a 2006 e de 2011 a 2018) ordenou a realização de obras de emergência para bombeamento das águas daquilo que é chamado pelos engenheiros de “volume morto”. A crise hídrica de 2014, como ficou conhecida, foi anunciada como consequência de um grande período de estiagem, considerado anormal pelos consultores do governo do estado. As causas especuladas para a crise hídrica foram: desmatamento na Amazônia, aquecimento global, deslocamento de massas de ar quente. 

     O leito do rio Piracicaba se transformou num grande calçamento e era possível caminhar sobre as pedras. Muitos atribuem os períodos de cheia ou de seca do rio Piracicaba à dinâmica de regulação e captação das águas da bacia hidrográfica do rio Piracicaba, operado por sistemas de abastecimento e de produção de energia elétrica. A bacia do rio Piracicaba junto com a bacia hidrográfica do Alto Tietê, abastece o Sistema Cantareira por meio de quatro reservatórios de água. Sua bacia, além de abastecer as cidades da Grande São Paulo, também abastece cidades do interior do estado. 

     O Sistema Cantareira foi considerado inicialmente como prioritário para resolver os “problemas de abastecimento” de água que a região metropolitana de São Paulo vinha enfrentando, mas ele também provoca um forte impacto na transformação dos movimentos das águas do rio Piracicaba.

     No início do mês de abril de 2020 as águas do rio Piracicaba estavam novamente baixíssimas. As pedras do fundo do rio foram novamente protagonistas da estiagem que afeta a cidade de Piracicaba. Do alto da ponte estaiada era possível observar alguns peixes nadando na água rasa do rio. Arbustos cresciam por entre as pedras expostas do salto do rio Piracicaba. Os dados do Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo, indicavam que a vazão do manancial estava em torno de 27 metros cúbicos por segundo, sendo a média histórica para para o mesmo período é de 91 metros cúbicos por segundo. 

     A vazão do rio Piracicaba em 2020 ficou muito próxima à da crise hídrica de 2014. O Sistema Cantareira teve 10 pontos percentuais a menos de armazenagem e operou em estado de alerta. O prefeito Luciano Almeida (DEM), que também ocupa o cargo de presidente do Comitê de Bacias Hidrográficas do PCJ pediu a cooperação da população quanto ao uso consciente da água. A solução, segundo ele, é a construção de uma nova barragem no rio Corumbataí – o principal leito de abastecimento para o consumo humano em Piracicaba, responsável por 90% do consumo. Atualmente, o rio Corumbataí é utilizado pelo município e por outras dez cidades da região. Em 2020, o represamento estava em estudo junto ao governador do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), e pretendia garantir água pelos próximos 100 anos. 

     Para solucionar o problema causado pela  construção do Sistema Cantareira o poder público propõe a construção de uma nova barragem, dessa vez no rio Corumbataí. A impossibilidade de separar a natureza da política é parte constituinte do regime de necropolítica que ronda o rio Piracicaba e os entes que dele/nele vivem (MBEMBE, 2018), ou seja, uma política em que a violência é soberana sobre a vida.

 

REFERÊNCIAS