Piracicaba-SP

     A imagem é formada por camadas de fotografias e desenhos produzidos e encontrados durante minha trajetória com o rio Piracicaba. Para essa montagem, utilizei três fotografias feitas por mim em julho e agosto de 2014 na região da Rua do Porto, uma fotografia encontrada no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e alguns traços desenhados por minha companheira Laura. As fotografias que realizei foram impressas, recortadas e coladas em uma folha de papel branco e Laura fez desenhos a mão livre complementando as fotografias. Posteriormente a imagem foi escaneada e, com um aplicativo de edição de imagem, sobreposta pela fotografia encontrada em arquivo.

    Do lado esquerdo da imagem está um anúncio de venda de varas, minhocas, minhocoçus e bichos-de-laranja. Um pouco mais para baixo, as pedras do rio aparecem na sobreposição com a imagem da Avenida Beira-Rio em construção. Do lado direito, um peixe está sobrepondo uma imagem do rio. À beira-rio a cidade se desenvolve, carrega seu nome transbordando para dentro do rio. Outras sobreposições foram testadas antes de se chegar a esse resultado. 

     Em todo o mundo, os rios atuam como definidores para a fundação e o desenvolvimento de muitas cidades. Os rios Nilo (Egito), Jordão (Israel/Palestina), Tigre e Eufrates (Mesopotâmia, atuais Iraque e Kuwait) ocupam lugar importante na história das civilizações. Outros, como os rios Sena (França), Mississippi (Estados Unidos), Tejo (Portugal), Amarelo (China), Ganges (Índia), dentre muitos outros, foram fundamentais para a constituição de diversas cidades ao redor do mundo. Nas margens dos rios agruparam-se núcleos populacionais, desenvolveu-se a agricultura, formaram-se cidades, estabeleceu-se o comércio. Baptista e Cardoso (2013) apontam que, para o surgimento das cidades, os rios, além de prover água para consumo, higiene, agricultura e atividades artesanais, proporcionaram a comunicação e o comércio. Além disso, em muitos casos eles foram importantes para a defesa e a proteção das cidades (BAPTISTA; CARDOSO, 2013, p. 127).

     No Brasil, muitos dos surgimentos citadinos tiveram os rios como elementos definidores. Conforme aponta Gandara (2017), em todas as capitais brasileiras, os rios ocuparam lugar central no desenvolvimento urbano.

Nas margens dos rios brasileiros se estabeleceram núcleos, constituíram-se engenhos, fizeram[-se] penetrações horizontais e verticais do território. Eles foram colaboradores fundamentais às bandeiras, às missões, às entradas, […] às descobertas de ouro e pedras preciosas, à agroindústria do açúcar, à fixação de núcleos, ao desenvolvimento da pecuária, à ampliação da lavoura de gêneros alimentícios, povoamento e cidades. (GANDARA, 2017, p. 6).

     Para a criação da Vila de São Paulo, os jesuítas instalaram-se ao lado de duas tribos indígenas que viviam entre o rio Tamanduateí e o ribeirão Anhangabaú. Esse ponto foi considerado estratégico, uma vez que, de um lado, os jesuítas acessavam águas limpas para consumo no ribeirão Anhangabaú e, do outro, podiam deslocar-se pelas águas do rio Tamanduateí até o rio Tietê. A via fluvial da bacia dos rios Tietê e Paraná tornou-se uma das mais importantes hidrovias brasileiras.

     Os rios exerceram papel importante também no desenvolvimento das cidades do interior do estado de São Paulo. Apesar de muitos historiadores do início do século XX mencionarem o papel dos rios na fundação das cidades do interior do estado, sabe-se hoje que as vias fluviais não foram muito utilizadas para o deslocamento dos bandeirantes pelo território. Canoas e barcos eram usados esporadicamente para travessia de pequenos trechos e depois abandonados.

Outro grande erro, do qual não tem escapado mesmo muitos historiadores de certo renome, consiste na suposição de que o movimento expansionista das bandeiras se deu pelas vias fluviais. O Tietê, o velho Anhembi, que a primeira vista parece ter sido o grande caudal que determinou o bandeirismo, foi desconhecido de grande parte do movimento (ELLIS, 1934, p. 44).

     No entanto, Cassiano Ricardo (1959), ao se referir à geografia do estado de São Paulo, aponta que o rio Tietê teve influência decisiva sobre o grupo de bandeirantes liderado por Piratininga. “A serra abrupta (geografia estática), o planalto dinâmico (geografia motora) e o Tietê, que dava as costas para o mar (geografia móvel), tiveram decisiva influência sobre o grupo de Piratininga” (RICARDO, 1959, p. 60). Capistrano de Abreu (1999) conta que os bandeirantes, ao encontrarem algum rio que servisse para a navegação, “improvisavam canoas ligeiras, fáceis de varar nos saltos, aliviar nos baixios ou conduzir à sirga. Por terra aproveitavam as trilhas dos índios; em falta delas seguiam córregos e riachos” (ABREU, 1999, p. 143). Embora existam divergências quanto ao papel dos rios na expansão bandeirante pelo interior do estado de São Paulo, o fato é que muitas cidades surgiram nas margens de rios, como Piracicaba, Itu, Salto, Pirapora, dentre muitas outras, demonstrando o importante papel deles para a formação dessas cidades.

Em 1766, o Capitão-General de São Paulo, D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, encarregou o Capitão Antônio Corrêa Barbosa de fundar uma povoação na foz do rio Piracicaba. Este, no entanto, optou pelo local habitado pelos índios Paiaguás, onde já se haviam fixado alguns posseiros, à margem direita do salto, a 90 quilômetros da foz, entendendo ser o lugar mais apropriado da região. A povoação seria ponto de apoio às embarcações que desciam o rio Tietê, oferecendo retaguarda ao abastecimento do forte de Iguatemi, fronteiriço do território do Paraguai. Em 1784, Piracicaba foi transferida para a margem esquerda do rio, logo abaixo do salto, onde os terrenos melhores favoreciam sua expansão (Ipplap, [s.d.]).

     A facilidade de navegação no rio Piracicaba possibilitou a entrada pelo território e suas águas serviram para o cultivo de  pequenas lavouras, fazendo com que povoamentos se fixassem nas margens, o que  desencadeou o processo de fundação da cidade de mesmo nome. 

     O rio Piracicaba também tem um papel central na história da cidade, e  muitas vezes foi objeto de disputas políticas identitárias. Com registro de fundação no ano de 1767, e carregando o mesmo nome do rio que a corta de ponta a ponta, Piracicaba está localizada na média depressão periférica paulista, 152 km a noroeste da capital do estado de São Paulo e a 71 km de Campinas. Sua extensão territorial é de 1.368 km2 e segundo estimativa para o ano de 2020 possui 407.252 habitantes (IBGE, [s.d.]). Piracicaba é uma referência para os moradores das demais cidades da região, que buscam bens e serviços especializados, serviços de saúde, atividades artístico-culturais e de lazer. Além de a cidade levar  o mesmo nome do rio, é na sua margem que estão a Casa do Povoador (reconhecida como  marco para o povoamento dessa região), os restaurantes da Rua do Porto, que vendem o  “tradicional peixe no tambor”, a Festa do Divino Espírito Santo etc. Para a cidade, o rio Piracicaba é o principal cartão-postal, o que faz dele foco de disputas de memórias.

 

REFERÊNCIAS